“Judas, o Obscuro” (1895)

“Judas, o Obscuro” foi o meu segundo livro de Thomas Hardy, apesar de ser o seu último, depois do excelente “Tess of the d’Urbervilles: A Pure Woman Faithfully Presented” (1891), e fez-me, ao virar da última página, ir de imediato encomendar o resto dos livros do autor. Hardy apresenta duas enormes qualidades, uma escrita erudita mas acessível, ao que junta um naturalismo digno de Zola. Ao contrário de Dickens, e restantes victorianos, aqui não existem finais felizes, aqui existe toda uma exploração da natureza das relações humanas, em que as variáveis se vão cambiando numa espécie de experimentação de condições com consequências tanto naturais como sociais. Hardy não se coíbe de colocar em cena aquilo que ninguém quer ler, e que faria com que este livro fosse na altura imensamente atacado, para nos obrigar a enfrentar a dura realidade dos modelos sociais que criamos, no caso o victoriano.

“Judas, o Obscuro” coloca-nos no lugar do simples cidadão, orfão e pobre, e lança-o de encontro a dois grandes mundos de convenções: a Academia e o Casamento. Daí advirão cada uma das tragédias que Hardy usa muito bem para atacar, primeiro a Academia, nas suas covenções e torres de marfim; em segundo lugar, o casamento, tanto na moral religiosa como nas leis societais; demonstrando verdadeira audácia, movida por um claro espírito ativista, com algumas bases autobiográficas.

Judas vê-se orfão e sem o seu professor da aldeia, sozinho restam-lhe uns poucos de livros para escapar à dura realidade e poder dar conta da sua imensa curiosidade. Aos poucos, utilizando todo o retorno do seu trabalho vai conseguindo aceder a cada vez mais livros, auto-educa-se na ânsia por chegar a conhecer mais, por elevar-se intelectualmente, almejando chegar a Christminster, uma Oxford figurada. Assistimos a toda uma vontade, a toda uma genuína curiosidade, assim como a um espírito com imenso para dar a academia, mas que por não ter tido oportunidade financeira para seguir as convenções necessárias ficará à porta. Custou-me muito ler esta primeira parte do livro, aceitar que o conhecimento pode ser usado para isolar e distanciar a liberdade individual humana.

Depois deste primeiro embate, começa a saga de sobrebvivência de Judas, que se deixa envolver com quem — Arabella — espera dele apenas um ganha pão, para depois então tentar conquistar alguém — Sue, que entretanto se casa também — de quem verdadeiramente gosta. No meio de tudo isto vamos ter todas as convenções sobre o casamento, não meramente morais, mas em forma de lei que nos dias de hoje nos conseguem deixar estarrecidos sobre o modo como moldavam rigidamente o funcionamento das sociedades.

Em Sue, Judas encontra outro espírito livre, alguém com vontade de se desprender e voar em nome da liberdade individual, mas é aqui que Hardy dá o seu melhor, explorando um enredo em forma de gaiola que impede os pássaros de voar, para amarrar o casal seguido de um violentíssimo choque contra a parede. A saga encerra-se em tragédia, condicionando tudo a voltar ao modo como começa, obrigando-nos a questionar o que nos quereria Hardy dizer.

Mas se dúvidas tiverem, desenganem-se, o livro é muito claro no seu ataque à figura do casamento, claramente à frente do seu tempo, o que Hardy explicita aqui não é o modo como se libertar do mesmo, mas antes o modo como a sociedade, juntamente com a religião, soube aprisionar e condicionar o ser-humano.

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